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A transição energética global e o futuro das commodities – Por Beatriz Canamary

*Coluna por Beatriz Canamary, 31/08/22

Enquanto o aumento no preço dos combustíveis, o conflito na Ucrânia e os impactos da pandemia ainda dominam as notícias em todo o mundo, a transição para uma economia limpa e emissão zero de carbono vem ganhando cada vez mais momentum. De fato, esses eventos apenas reforçam a necessidade e o significado dessa transição verde.

 Em agosto de 2022, o Japão deu o primeiro passo em pesquisas para medir o “PIB verde” – índice de crescimento econômico com as consequências ambientais contabilizadas no PIB convencional. A transição para uma economia limpa se tornou prioridade na agenda do governo japonês, que busca agora reduzir as emissões de carbono em 46% até 2030, criando uma agenda para os próximos 10 anos com investimentos da ordem de US$ 1,13 trilhões. No curto prazo, o governo emitirá cerca de US$ 150 bilhões em títulos de “transição verde” para estimular investimentos em descarbonização.

Já a União Europeia, desde dezembro de 2019, criou o European Green Deal com objetivo de se tornar o primeiro continente com zero emissões de carbono até 2050, prevendo investimentos da ordem de €1 trilhão na próxima década, em busca soluções inovadoras para a transformação de uma economia mais sustentável e resiliente.

Nos Estado Unidos, em novembro de 2021, o governo criou o Plano Build Better Back com investimentos de aproximadamente US$ 2,2 trilhões, incluindo soluções para os impactos climáticos e, em agosto de 2022, assinou a nova lei climática que destina US$ 370 bilhões para projetos de energia limpa.

Estudos indicam que o plano global de transição energética e emissão zero de carbono até 2050 exija cerca de US$ 125 trilhões em investimentos e hoje, a maior parte desses investimentos se concentram em energias renováveis, veículos elétricos e atividades afins. E essa transição irá demandar cada vez mais de recursos minerais imprescindíveis à fabricação de turbinas eólicas, painéis solares, baterias e veículos elétricos.

 Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês), um esforço conjunto para alcançar as metas do Acordo de Paris (estabilização climática com valores bem abaixo de 2°C no aumento da temperatura global) significaria quadruplicar os insumos minerais utilizados em tecnologias de energia limpa até 2040 e, para atingir a emissão zero de carbono mundialmente até 2050, demandaria cerca de seis vezes mais insumos minerais em 2040 em comparação com o mercado atual. Somente a demanda por lítio, por exemplo, deve crescer mais 40 vezes nas próximas duas décadas. Já grafite, cobalto e níquel terão uma demanda entre 20 e 25 vezes maior em comparação com o momento atual. Os tipos de recursos minerais utilizados variam de acordo com a tecnologia.

Ocorre que esses recursos essenciais oferecem um conjunto diferente de desafios e sua crescente demanda exige que os formuladores de políticas energéticas expandam seus horizontes e considerem potenciais novas vulnerabilidades. À medida que os países aceleram seus esforços para reduzir as emissões, eles também precisam garantir que os sistemas de energia permaneçam resilientes e seguros.

As preocupações com a volatilidade dos preços e a segurança do fornecimento não diferem entre um sistema de energia abastecido por combustíveis fósseis de um abastecido por fontes renováveis. 

A pressão sobre os preços e a concentração geográfica em poucos países na exploração e beneficiamento dessas matérias-primas são preocupações importantes.

As chamadas “superpotências de commodities verdes” podem arrecadar mais de US$ 1,2 trilhões em receita anual no fornecimento de matérias-primas até 2040. A Austrália está no topo da lista, com reservas dos principais metais utilizados. O Chile abriga 42% das reservas mundiais de lítio e um quarto de seus depósitos de cobre, a maioria deles no deserto do Atacama. O Congo tem 46% das reservas globais de cobalto (e é responsável por 70% da produção mundial hoje). A China abriga reservas de alumínio, cobre e lítio. A Indonésia possui grandes reservas de níquel e o Peru detém quase um quarto da prata mundial. E por fim, outros países, como Estados Unidos, Canadá e o Brasil, com suas grandes reservas de grafeno, perdem ganhos com combustíveis fósseis, mas são capazes de explorar vastos depósitos das chamadas commodities verdes.

Entretanto, investimentos importantes podem se tornar vulneráveis à questões geopolíticas e condições locais. A mudança para combustíveis limpos é menos uma transição energética e mais uma transição de commodities, sendo que essa transição energética surge de decisões de muitos governos, não apenas de um, e descarbonizar o mundo requer um trabalho de décadas.

Certamente, o mundo pode ser menos dependente de recursos relacionados à energia em 2040 do que é hoje, em grande parte porque o vento e o sol são fontes naturais gratuitas. Uma crise do petróleo, por exemplo, afeta todos os consumidores que possuem carros a gasolina ou caminhões a diesel. Já uma crise das ‘commodities verdes’ afeta apenas a produção de novos ativos. Os consumidores que já possuem seu veículos elétricos ou que usam eletricidade movida a energia solar não serão mais afetados. Além disso, a combustão de petróleo significa que a nova oferta é essencial para a operação contínua dos ativos movidos à óleo. Já os insumos minerais são componentes de infraestrutura, que ainda podem ser recuperados e reciclados.

O que também poderá afetar a alavancagem das superpotências de commodities verdes são as despesas de capital. A IEA estima que as principais minas que entraram em operação na última década levaram, em média, 16 anos para serem construídas. Para atender à crescente demanda até 2040, a indústria de mineração deve investir em novos projetos imediatamente. Estimativas apontam que US$ 2 trilhões devem ser gastos em exploração e produção de minerais verdes até 2040.

Pesquisa e inovação tecnológica são essenciais para mitigar os riscos aqui elencados. Em 2021, a mineradora BHP e a empresa de energia Norueguesa Equinor investiram em uma startup de inteligência artificial para identificar novas jazidas minerais. A inovação também poderia facilitar a reciclagem. Segundo o IEA, até 2040 a extração de cobalto a partir de baterias antigas poderá ajudar no suprimento de 12% da demanda total.

Talvez o maior risco para o investimento venha da política. A história dos booms de commodities ao longo de séculos mostrou que essa bênção de recursos naturais também pode se tornar uma tragédia à geopolítica mundial, como guerras, conflitos, disputas ideológicas e territoriais, quebras de acordos internacionais, etc.

Muitos gigantes verdes sabem que podem ajudar a evitar a catástrofe climática. Esses riscos à confiabilidade, acessibilidade e sustentabilidade do fornecimento dos minerais verdes dependerá de como os formuladores de políticas e as organizações se comportarão. E o resultado disso determinará se os minerais vitais à transição energética são um facilitador ou um gargalo no processo.

**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do ENB.

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