*Coluna por Beatriz Canamary, 22/09/22
Fazendo um discurso poderoso aos líderes mundiais na abertura da 77ª Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, o secretário-geral disse: “Nosso mundo está em apuros. As divisões estão se aprofundando; as desigualdades estão crescendo e cada vez mais complexas; desafios estão se espalhando… precisamos de esperança… precisamos de ação em todas as fronteiras”.
O discurso é aberto com ênfase em três áreas, nas quais o mundo deve agir em conjunto, superando suas divergências. São elas: a paz universal; a crise climática; e a urgência aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em busca de reduzir a divergência entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, endereçando os três principais problemas: a pobreza, a fome e a educação.
Reconhecendo o grande perigo que o mundo vive atualmente – marcado por conflitos, catástrofes climáticas, divisões, desemprego, deslocamento maciço e outros – o Secretário Geral disse que, embora seja importante estabelecer prioridades de longo prazo, o desenvolvimento não pode esperar. Jovens e gerações futuras em todo o mundo necessitam de ação.
“Não podemos decepcioná-los. Este é um momento definitivo… Os perigos que enfrentamos não condizem com um mundo unido… Vamos colocar nosso mundo de volta aos trilhos”, insistiu o chefe da ONU aos líderes mundiais.
Com imagens evocativas do Bravo Comandante, um dos navios que tem carregado toneladas de trigo ucraniano com destino a pontos na Etiópia, Iêmen e outros, o Secretário Geral mostra que o navio e a Iniciativa Black Sea Grain, comandada pela ONU, é um sinal de esperança, um símbolo do que o mundo pode realizar quando nações cooperam em conjunto – a diplomacia multilateral em ação.
A paz mundial e os direitos humanos
Com o mundo diretamente focado na invasão da Ucrânia pela Rússia, que desencadeou destruição generalizada com violações maciças dos direitos humanos e do direito humanitário internacional, o Secretário destaca a ameaça da divisão entre Oeste e Sul, listando outros conflitos e crises humanitárias espalhados ao redor do mundo.
Por fim, o líder enfatiza que as Nações Unidas permanecem comprometidas em aproveitar ao máximo todas as ferramentas diplomáticas para a solução pacífica das disputas; para garantir a centralidade da liderança das mulheres; e para priorizar a construção da paz e dos direitos humanos.
A Crise Climática
O Secretário-Geral continuou a salientar que outra batalha que deve acabar é “nossa guerra suicida contra a natureza”. Chamando a crise climática de uma questão crucial do atual momento, ele enfatiza que combatê-la deve ser prioridade de todos os governos e organizações multilaterais.
Ele pondera que a ação climática está sendo deixada em segundo plano. Apesar de reconhecer o apoio da sociedade civil em todo o mundo, ele ressalta que as emissões globais de gases de efeito estufa estão subindo em níveis recordes, caminhando para um aumento de 14% nesta década e que o G20 é responsável por 80% dessas emissões, enquanto que os mais pobres e vulneráveis – aqueles que menos contribuíram para essa crise – estão sofrendo os seus impactos mais brutais.
Apesar de reconhecer que os combustíveis fósseis não podem ser desligados da noite para o dia, e que uma transição justa deve ser colocada em prática, o Secretário Geral declara que os produtores de combustíveis fósseis devem ser penalizados e convoca todas as economias desenvolvidas a tributar os lucros das empresas de combustíveis fósseis. Essa receita deve ser redirecionada de duas formas: para os países que sofrem perdas e danos causados pela crise climática; e para as pessoas que lutam contra o aumento dos preços dos alimentos e da energia.
Urgência aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
Em setembro de 2015, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável – “um plano de ação para as pessoas, planeta e prosperidade”, com 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para todos os países e partes interessadas implementarem voluntariamente em parcerias colaborativas.
Esses objetivos econômicos, sociais e ambientais, que também buscavam fortalecer a paz universal, foram, na verdade, uma expansão dos Oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio lançados pelas Nações Unidas em 2000, que se concentraram principalmente em nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento.
Este novo chamado para proteger o planeta, acabar com a pobreza e melhorar a vida de todos e não deixar ninguém para trás foi considerado a agenda mais influente para o desenvolvimento global do milênio.
A realização desses objetivos complexos e multidimensionais depende dos esforços conjuntos de atores políticos, econômicos e sociais, como agentes econômicos públicos e privados, órgãos reguladores, organizações não governamentais (ONGs), empresas multinacionais e sociedade civil em escalas nacional, regional e global.
No entanto, devido ao número de ODS, sua complexidade, sua natureza voluntária e dificuldades em mensurá-los e rastreá-los, observa-se uma falta de priorização por parte dos governos, instituições financeiras e do setor privado. Em 2021, pela primeira vez desde sua concepção em 2015, o Índice de ODS médio global apresentou desaceleração em relação ao ano anterior, impulsionada principalmente pelo aumento da pobreza e taxas de desemprego após o início da pandemia COVID-19. O Relatório de Desenvolvimento Sustentável de 2021 reconheceu que, se a comunidade global tivesse adotado a Agenda 2030 desde o início, o mundo estaria mais preparado para enfrentar a crise global do COVID-19.
Por esse motivo, o Secretário convida para um “SOS aos ODS”, convidando os líderes do G-20 para alavancar estímulos ao desenvolvimento sustentável para os países em desenvolvimento. Ele propõe que a próxima Cúpula do G20 em Bali deve endereçar quatro grandes componentes: aumento de financiamentos a partir de bancos multilaterais; alívio da dívida; expansão da liquidez pelo Fundo Monetário Internacional e outros grandes bancos; e o empoderamento por governos de fundos especializados como Gavi, o Global Fund, e o Green Climate Fund.
O secretário-geral disse que, embora a divergência entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento – entre os privilegiados e os demais – esteja se tornando cada vez mais aguda, sendo a origem das tensões geopolíticas que estão destruindo a cooperação global, ele convida líderes para uma coalizão global que vise desenvolver soluções comuns para problemas comuns, fundamentada na boa vontade, confiança e direitos humanos.
Colocar os ODS no centro da estratégia econômica mundial pode desencadear um investimento anual de aproximadamente US$ 12 trilhões e oportunidade de crescimento, ao mesmo tempo em que cria centenas de milhões de empregos no processo – uma passo de mudança no crescimento global e na produtividade, com um boom de investimentos em infraestrutura sustentável como motor-chave.
A ONU reconhece que o setor privado, em especial as Multinacionais, são atores-chave neste processo de transformação global da sustentabilidade, devido à sua capacidade de lidar estrategicamente com uma ampla gama de situações em ambientes complexos e difíceis, devido ao seu engajamento com múltiplos stakeholders, devido à sua boa vontade e capacidade de influenciar as atitudes da sociedade civil e dos atores políticos, e por causa de seu poder em construir legitimidade e forçar o cumprimento de ações através de suas redes globais.
Identificar pontos de alavancagem para implementação dos Objetivos Sustentáveis, muitas vezes através da mudança de visão, valores, cultura e estratégias, é fundamental para uma transformação em larga escala, e isso só será possível se o sistema organizacional atuar de modo a envolver uma massa crítica de múltiplos stakeholders em todos os extremos.
**Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do ENB.