O colapso silencioso do crédito rural ganhou contornos dramáticos no segundo trimestre de 2025. Levantamento exclusivo do Economic News Brasil revela que a dívida do agro no Banco do Brasil não apenas derrubou em 60% o lucro, mas também abriu a caixa-preta das recuperações judiciais — um mecanismo que, em muitos casos, parece estar sendo distorcido. Mais do que um balanço ruim, os números mostram uma engrenagem que ameaça a credibilidade do setor agrícola e coloca em xeque o maior financiador do agronegócio brasileiro.
Dívida recorde do agro pressiona o Banco do Brasil
A alta inadimplência do agronegócio atingiu R$ 12,73 bilhões em atrasos acima de 90 dias no 2T25, o maior nível de inadimplência já visto no crédito agrícola do país. Mais da metade desse montante (52%) está concentrada em produtores do Sul e do Centro-Oeste. A gravidade não se resume ao valor absoluto: a deterioração foi acelerada. Em junho de 2024, a inadimplência do agro estava em 1,32%. No 1T25, saltou para 3,04%. Agora, alcançou 3,49% no último semestre, estabelecendo um recorde histórico.
Números-chave da inadimplência no agro (90+ dias):
- 2T24: 1,32%
- 1T25: 3,04%
- 2T25: 3,49%
Essa escalada explica parte da queda do lucro líquido ajustado para R$ 3,8 bilhões, contra R$ 9,5 bilhões no 2T24 e R$ 7,4 bilhões no 1T25. Analiticamente, trata-se de um choque de qualidade de crédito: em menos de um ano, o risco rural multiplicou-se quase por três, abalando a principal frente de negócios do banco.
Caixa-preta da recuperação judicial e dívida do agro no Banco do Brasil
Do total de atrasos, R$ 2,27 bilhões já estão vinculados a empresas do agro em recuperação judicial, representando 17,8% da inadimplência do setor. O Banco do Brasil monitora hoje 808 clientes em recuperação, somando R$ 5,4 bilhões em dívidas — parte ainda não vencida, mas com alto potencial de entrar nos próximos balanços.
Entre as condições exigidas por algumas companhias estão:
- Desconto de 20% da dívida;
- Carência de 2 anos para retomar pagamentos;
- Prazo de 10 anos para quitação total.
Esse padrão, segundo especialistas, revela a fragilidade do instrumento. Embora a recuperação judicial seja legítima para evitar falências, ela passou a ser utilizada como estratégia de alongamento artificial de passivos. O risco é óbvio: o banco fica exposto a um ciclo de postergação que corrói capital e trava novos financiamentos.
Evolução da recuperação judicial no agronegócio
Os dados da Serasa Experian mostram a dimensão do problema:
- 2021: 193 pedidos;
- 2022: 232 pedidos;
- 2023: 482 pedidos;
- 2024: 876 pedidos;
- 2025: 1.272 pedidos (estimativa para o ano).
Crescimento acumulado: +559% em quatro anos.
Alta no 1S25: +45% em relação ao mesmo período de 2024.
O salto indica não apenas dificuldade financeira real, mas também a possível transformação da recuperação judicial em uma “indústria paralela” do crédito rural. Como analista, é inevitável observar que esse mecanismo, ao ser banalizado, ameaça punir mais os credores do que proteger a continuidade das atividades produtivas.
Comparativo de resultados recentes do Banco do Brasil
A deterioração dos números é visível trimestre a trimestre:
- 2T24: lucro líquido ajustado de R$ 9,5 bilhões; ROE em 21,6%; inadimplência agro em 1,32%.
- 1T25: lucro de R$ 7,4 bilhões; ROE recuou para 15,8%; inadimplência agro em 3,04%.
- 2T25: lucro de R$ 3,8 bilhões; ROE caiu para 8,4%; inadimplência agro chegou a 3,49%.
Evolução em 12 meses: queda de 60% no lucro, retração de 13 pontos percentuais no ROE e triplicação da inadimplência do agro.
Do ponto de vista contábil, o alerta não poderia ser mais claro: o Banco do Brasil deixou de ser uma referência de estabilidade para se tornar um termômetro da crise rural.
Impactos contábeis e a Resolução 4.966
Além da inadimplência, outro fator pesou: a Resolução 4.966, que alterou a forma de provisionar perdas e reconhecer receitas. Essa mudança forçou o Banco do Brasil a elevar provisões para devedores duvidosos (PDD) e reduziu a margem financeira bruta em cerca de R$ 1 bilhão.
O custo de crédito disparou. No 1T25, foi de R$ 10,2 bilhões. No 2T25, alcançou R$ 15,9 bilhões, quase o dobro do registrado um ano antes. A contabilidade mostra que, sem ajustes regulatórios, o impacto teria sido menor, mas a nova regra evidenciou a fragilidade do crédito rural.
A engrenagem da recuperação judicial forçada
O levantamento também aponta que muitos processos têm sido alvo de suspeita. A chamada recuperação judicial forçada ocorre quando empresas que ainda possuem fôlego financeiro usam o instrumento apenas para ganhar vantagem, alongando prazos e reduzindo valores de forma artificial.
Essa prática gera três efeitos imediatos:
- Fragiliza credores, como o Banco do Brasil;
- Reduz a credibilidade do setor;
- Penaliza produtores sérios que realmente precisam do mecanismo.
O crescimento de 808 clientes em RJ, com R$ 5,4 bilhões monitorados, indica que parte do problema ainda nem chegou ao balanço. É provável que o 3T25 traga novo choque negativo.
Perspectivas para o Banco do Brasil e para o agro
A dívida do agro no Banco do Brasil não é apenas um dado contábil. É um reflexo de um modelo de crédito que entrou em desequilíbrio. O Banco do Brasil precisa agora rever sua política de concessão, fortalecer garantias e diferenciar clientes em dificuldade genuína de casos oportunistas.
Para os próximos dois semestres, três pontos se destacam:
- 3T25 tende a trazer impacto adicional de parte dos R$ 5,4 bi ainda não contabilizados.
- Colheitas mais favoráveis podem aliviar parte da pressão, mas não resolverão o problema estrutural.
- Credibilidade da recuperação judicial será decisiva: se continuar banalizada, pode se tornar um risco sistêmico para o crédito rural.
Conclusão analítica
É o sintoma mais visível de uma crise mais profunda: a dívida do agro no Banco do Brasil, que provocou a queda de 60% no lucro no 2T25 e a explosão das recuperações judiciais, expõe uma fragilidade estrutural no crédito rural brasileiro.
Contabilmente, o banco ainda mantém lucro, mas a deterioração da qualidade dos ativos é incontornável. A perspectiva é de que os próximos trimestres tragam novos impactos, exigindo disciplina na gestão de riscos e maior rigor na avaliação de processos de recuperação judicial.
“O que vemos é um sinal de alerta. A dívida do agro no Banco do Brasil expõe um risco que vai além de um trimestre: trata-se de um problema estrutural, que pressiona o crédito, amplia as recuperações judiciais e coloca em xeque a sustentabilidade do setor”, avaliou Pedro Brandão, especialista em finanças e CEO da CredÁgil.
No fim, o que está em jogo não é apenas o balanço do Banco do Brasil, mas a sustentabilidade financeira do agronegócio como setor estratégico da economia.