*Coluna de Aletéia Lopes, 14/02/2022
É muito comum ouvirmos algumas frases usadas ao longo do tempo sobre as empresas familiares. São narrativas que passam a fazer parte de um relato que é divulgado ao longo do tempo, mas em alguns casos, não passam de mitos que precisam ser desmistificados.
Assim, vamos refletir sobre alguns mitos da empresa familiar e questionar se realmente são condizentes com a realidade.
Mito 1 – O provérbio popular “pai rico, filho nobre, neto pobre”.
Em geral os fundadores são considerados “o pai rico”, pois foram eles que construíram com muita dificuldade um negócio ou patrimônio que ao longo do tempo gerou muita riqueza para sua família; No entanto, na verdade os netos são mais vistos como nobres do que os próprios filhos. Por quê? Porque os filhos, de certa forma, ajudaram no negócio e acompanharam um pouco o tempo das “vacas magras” e das dificuldades. Por isso em geral, talvez não sejam os verdadeiros nobres, mas sim os netos que geralmente já nasceram numa situação totalmente confortável, muitas vezes sem conhecer essa história de dificuldade dos avós. E o medo que perpassa é que os netos fiquem pobres por serem nobres e acostumados com uma vida de facilidade e envolvam assim, os bisnetos e tataranetos na pobreza, trazendo a família de volta às origens de dificuldades e privação. Então o maior medo é que a quarta geração se torne pobre, porque até a terceira eles (fundadores), provavelmente, estarão vivos. Então talvez a verdadeira frase seja “Pai e filhos ricos, netos nobres e possivelmente bisnetos pobres”.
Mito 2 – O imaginário popular de que “herdeiro não sofre, porque tem uma vida financeira confortável”.
– É muito fácil ser herdeiro, é muito fácil… não tem sofrimento!
Essa é uma frase bastante ouvida, no entanto, é preciso desmistificar a concepção de que o herdeiro não sofre porque tem uma vida financeira confortável, ao contrário, esse mesmo motivo pode sim causar sofrimentos horríveis, principalmente quando esse apelo do conforto financeiro é usado para aprisionar o herdeiro numa ocupação profissional que lhe adoece.
Geralmente, as pessoas ligam o sofrimento somente a dificuldade financeira. Esquecem que aquele que possui poucos recursos financeiros, às vezes, sem dinheiro, é mais feliz que o rico com muito dinheiro. Pode parecer filosófica essa colocação, mas é a mais pura verdade. A pessoa que passa por muitas dificuldades financeira, muitas vezes tem um sentimento de cooperação mais apurado. Enquanto, o rico não. Quando o rico sofre, geralmente sofre sozinho. Então é comum encontrarmos herdeiros, muitos ricos com necessidades afetivas, existenciais e emocionais graves. Claro que cada grupo tem as suas dificuldades e suas facilidades. Mas aí a dizer que só pelo fato de ter dinheiro a pessoa não venha a sofrer, é puro reducionismo.
Herdar tem as suas dificuldades sim. Envolve muitas vezes renúncia do sonho pessoal em detrimento do sonho familiar. Você nasce com sua profissão já determinada. E muitas vezes esse lugar de poder está vinculado ao afeto familiar e muitos herdeiros viram refém de seus pró-labores.
Mito 3 – A fala “herdar não traduz esforço ou mérito”.
Herdar não é tão fácil como se imagina! O primeiro esforço é decidir arcar com a decisão de suceder ou não o fundador. Muitas vezes a família não oferece opções ao herdeiro. Desde pequena, a pessoa já nasce sem a opção de ser ou fazer outra coisa. Então o menino não pode sonhar. Quando a gente é criança, a gente não sonha? Vou ser aeromoça, piloto, policial, médico… o herdeiro não tem esse direito, porque desde quando ele nasce, o pai já o leva nos braços e diz: “Aqui está sua futura empresa, ouviu? Olha, isso aqui é seu. Construí isso tudo para você. Isso aqui é seu, você vai tomar conta disso no futuro”.
O segundo esforço está em conhecer, aprender. Muitos pensam que pelo fato dele ser herdeiro, já nasceu sabendo desenvolver o papel que lhe foi designado. E nem de longe é assim. Precisa conhecer a história do fundador (pai/avô/bisavô). Conhecer a trajetória profissional dele e a trajetória da empresa. Ele tem que conhecer bem o negócio que vai herdar, entender como a empresa funciona, como se dão todos os processos, passando por todos os setores e se capacitar mais depois.
Então o herdeiro já nasce com o peso de se tornar alguém ou fazer algo já predeterminado. Os pais de forma consciente ou inconsciente obrigam o herdeiro a assumir o negócio, sem pensar que aquele herdeiro pode querer vir a ter outra profissão.
Portanto, antes de simplesmente divulgar narrativas sobre as empresas familiares, é importante uma reflexão para entender se esses relatos são verdadeiros ou apenas mitos contados ao longo do tempo por pessoas que não vivenciam os verdadeiros desafios das famílias empresárias, suas heranças e legados.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do ENB.