Documentos obtidos recentemente pelo portal UOL revelam que a fraude contábil que gerou um rombo de R$ 40 bilhões nas Americanas era mencionada em relatórios e trocas de emails entre os bancos, a firma de auditoria KPMG e a própria varejista. Mensagens trocadas desde 2017 entre os bancos Itaú, Santander, ABC Brasil e as auditorias mostram que informações críticas sobre a real saúde financeira da empresa eram sistematicamente ocultadas, sugerindo fraude.
Esquema de ocultação das dívidas
A fraude envolvia a manipulação de dados financeiros, onde os valores referentes a empréstimos eram corrigidos em emails subsequentes, ocultando a verdadeira dívida da empresa. Documentos revelam que, ao não saber exatamente quanto a Americanas devia, a situação financeira da varejista parecia ser muito melhor do que era na realidade.
Um tipo específico de empréstimo, o “risco sacado”, foi amplamente utilizado. Nesta modalidade, o banco adquire débitos da varejista com fornecedores, pagando-os antecipadamente, enquanto a dívida passa a ser da Americanas com o banco. No entanto, essas operações não eram devidamente registradas nos balanços, ocultando os prejuízos reais.
Manipulação dos relatórios
Documentos mostram que os bancos chegaram a enviar à consultoria demonstrações contábeis que incluíam os empréstimos ocultos, mas, ao perceber o erro, enviavam versões corrigidas, excluindo o “risco sacado”. Esta é a primeira vez que emails mostrando a manipulação dos créditos são divulgados.
Em 2019, os bancos Itaú, Santander e ABC Brasil enviaram mais de uma versão das cartas de circularização das Americanas à KPMG, referentes ao ano de 2018. Em fevereiro daquele ano, a equipe de circularização do Itaú enviou uma carta retificadora referente à B2W, empresa dona das Americanas.com. Pouco depois, uma nova versão sem as operações de cessão a fornecedores foi enviada.
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Envolvimento direto nas negociações
Contrariando alegações de que a Americanas não se envolvia nas negociações de antecipação de duplicatas, documentos mostram que a varejista participava ativamente das tratativas com fornecedores e bancos. Emails evidenciam a negociação de taxas e contratos, desmentindo a afirmação de não participação.
A Americanas mantinha convênios com diversos bancos para concessão de empréstimos a fornecedores. Uma apresentação de abril de 2023 detalha como a operação de risco sacado funcionava, revelando contatos diretos entre a varejista, fornecedores e bancos.
Auditorias e correções
A auditoria KPMG recebeu diversas versões corrigidas das cartas de circularização. As correções, mencionadas em esclarecimentos enviados à CVM, ocorriam desde 2017. Relatórios internos da Americanas e da B2W mencionavam que auditorias recebiam múltiplas versões das cartas dos bancos, onde operações de crédito a fornecedores desapareciam entre uma versão e outra.
Respostas e investigações
Em nota, as Americanas afirmam que seguem colaborando com as investigações e aguardam a responsabilização de todos os envolvidos. O Itaú e o Santander também emitiram notas defendendo a lisura de suas operações e afirmando que sempre prestaram as informações corretas às auditorias.
As investigações sobre uma possível fraude contábil começaram há um bom tempo, com a Polícia Federal deflagrando a Operação Disclosure em junho, emitindo mandados contra 14 ex-executivos da Americanas. A CPI instaurada no Congresso apresentou seu relatório final sem pedir indiciamentos, enquanto a CVM mantém dois inquéritos administrativos e oito processos administrativos ativos.