As exportações brasileiras atravessam um momento de reajuste após as novas tarifas de 50% impostas pelo presidente Donald Trump. Em entrevista exclusiva ao Economic News Brasil, Geldo Machado, presidente do grupo ValorizeCred e do Sinfac (Ceará, Piauí, Maranhão e Rio Grande do Norte), analisa o cenário atual. Para ele, o tarifaço evidenciou a vulnerabilidade das relações comerciais com os EUA e reforçou a urgência da diversificação de rotas, com maior foco em mercados como China, Índia, México, Japão e outros parceiros estratégicos.
A guerra tarifária global de Trump
ENB: O senhor classifica as medidas do presidente Donald Trump como uma “guerra fria tarifária” global. Por quê?
Geldo Machado: “Trump abriu uma disputa que vai além da China. Ele elevou tarifas contra a União Europeia, Canadá, Japão e também contra o Brasil, mesmo com superávit norte-americano na balança comercial. É uma decisão sem justificativa, baseada em uma lei de 1900, que não se aplica ao contexto atual. Esse artifício pode ser questionado na Suprema Corte. Trata-se de uma estratégia de confronto permanente que gera incerteza e atinge parceiros históricos.”
O debate sobre um “novo Bretton Woods”
ENB: Alguns analistas falam em um “novo Bretton Woods”. O que isso significa hoje e é viável?
Geldo Machado: “O acordo de 1944 fixou o dólar como referência global, atrelado ao ouro, e trouxe estabilidade após a guerra. Hoje, discute-se algo semelhante porque medidas intempestivas de Trump expõem fragilidades do sistema. No entanto, não é simples substituir o dólar. Ele ainda é a moeda de maior liquidez e confiança no mundo. O BRICS debate o uso de outras moedas, mas isso não acontece da noite para o dia. O espaço existe, mas o processo seria longo e repleto de obstáculos políticos e técnicos.”
A “novela” das tarifas
ENB: O senhor já chamou esse processo de “novela tarifária”. Por que esse termo?
Geldo Machado: “Porque é uma sequência sem fim de capítulos. Tivemos tarifas sobre aço, depois sobre produtos agrícolas e, mais recentemente, restrições aos chips e semicondutores. É um sobe e desce que mantém governos e empresas em constante tensão. Para o Brasil, isso significa rever contratos, ajustar rotas e planejar sob permanente incerteza. É uma novela que afeta diretamente o comércio global.”
Setores mais afetados nas exportações brasileiras
ENB: Quais setores das exportações brasileiras estão mais vulneráveis a esse ambiente?
Geldo Machado: “Os mais expostos são os de commodities e alimentos. A madeira já sente pressão, com empresas sinalizando cortes. A siderurgia enfrenta concorrência desigual e tarifas mais pesadas. Carnes, café, soja, frutas e pescados também sofrem porque dependem de previsibilidade e contratos longos. Além disso, tivemos casos emblemáticos, como o da Paraipaba Agroindustrial, no Ceará, que suspendeu embarques de mais de 1 milhão de litros de água de coco após a imposição de tarifa de 50% pelos EUA. Como o produto não entrou nas exceções, a empresa ficou diretamente exposta. Isso mostra como medidas unilaterais atingem cadeias produtivas regionais e geram impacto imediato sobre renda e empregos.”
China amplia espaço nas exportações brasileiras
ENB: A China tem aumentado suas compras do Brasil. Como o senhor interpreta esse movimento?
Geldo Machado: “É uma reação política e estratégica. Se os EUA fecham a porta, Pequim abre um portão. É também um gesto de revanche: ‘se vocês não compram, nós compramos’. Isso ficou claro no café, quando 183 empresas brasileiras foram autorizadas a exportar para o mercado chinês. A China demonstra que pode assumir o espaço dos EUA como destino prioritário dos nossos produtos e reforça sua posição de protagonista no comércio mundial.”
Diversificação e novos mercados para as exportações brasileiras
ENB: O Brasil busca parceiros como Índia, México e Japão. Esse redirecionamento é suficiente?
Geldo Machado: “É um passo essencial. Apenas 12% das exportações brasileiras vão para os EUA, contra quase 30% destinadas à China. Isso já mostra que nossa dependência é limitada. Índia, México e Japão estão entre os mercados que mais crescem. Todos valorizam produtos de qualidade, como carnes, pescados, frutas e café. No caso do café, os chineses ainda consomem pouco, mas podem ampliar rapidamente, sobretudo com a expansão de cafeterias, como ocorreu nos EUA. Esse movimento pode criar até novos segmentos de negócios. Por isso, diversificar é não só possível, mas necessário.”
Riscos para investidores brasileiros
ENB: Que riscos esse cenário representa para os investidores?
Geldo Machado: “O primeiro é a instabilidade cambial. O sobe e desce do real frente ao dólar afeta a bolsa, o crédito e a rentabilidade das exportadoras. Outro risco é a perda de competitividade das pequenas e médias empresas, que não têm instrumentos de proteção financeira. Existe ainda o perigo de superoferta no mercado interno caso parte das exportações não encontre saída, o que pressiona preços e margens. Investidores podem buscar proteção em moedas fortes como dólar, euro ou ouro, e em commodities globais como soja, minério e petróleo. Ainda assim, a volatilidade segue como o maior fantasma.”
Impactos imediatos e ajustes
ENB: Já é possível medir o impacto real das tarifas nas exportações brasileiras?
Geldo Machado: “Ainda não. As tarifas começaram em agosto, e os dados da balança de setembro trarão os primeiros números. O que vimos até agora foi um impacto psicológico: a mídia criou alvoroço, empresas ficaram apreensivas e houve ajustes emergenciais. Alguns setores, como o madeireiro, já sinalizaram cortes e dificuldades. Mas o efeito concreto só aparecerá nos próximos meses. As exportações brasileiras estão se ajustando, e a diplomacia busca reduzir os danos.”
O papel do governo brasileiro
ENB: O governo lançou um pacote de apoio às exportações brasileiras. Essa medida é suficiente?
Geldo Machado: “É uma ajuda necessária, especialmente em crédito e financiamento, mas não resolve o problema estrutural. O fundamental é abrir novos mercados e avançar em acordos comerciais. Sem isso, continuaremos expostos a decisões unilaterais. O pacote alivia pressões de curto prazo, mas a verdadeira segurança virá de uma estratégia de longo prazo, baseada em diplomacia econômica e diversificação. Somente assim as exportações brasileiras estarão menos vulneráveis a medidas políticas externas.”
O futuro das exportações brasileiras e a busca por novos mercados
A análise de Geldo Machado reforça que, apesar das tarifas impostas por Donald Trump, as exportações brasileiras deve ser negociadas de forma estratégica para novos mercados. Exemplos como China, Índia, México e Japão demonstram interesse crescente pelos produtos nacionais, o que reduz a dependência em relação aos Estados Unidos. Nesse cenário, abre-se espaço para diversificação, enquanto o governo busca apoiar as empresas exportadoras.
O grande desafio está em acelerar esse redirecionamento por meio de acordos comerciais e transformar a crise em oportunidade, consolidando o Brasil como fornecedor global estratégico, menos vulnerável a choques e menos exposto a chantagens externas.









