O domínio das terras raras da China deixou de ser apenas um tema comercial para se consolidar como um fator de poder global. Esses metais — base de motores elétricos, sensores e ímãs permanentes — sustentam a revolução tecnológica do setor automotivo. Com cerca de 70% da mineração mundial e 85% do refino, a China ocupa uma posição que redefine a hierarquia industrial e desafia a autonomia tecnológica das grandes montadoras.
A concentração é ainda mais acentuada entre os metais pesados, como hólmio e európio, nos quais o país responde por 99,8% da capacidade global de refino. Essa hegemonia cria uma dependência estrutural: qualquer ajuste regulatório ou restrição em Pequim reverbera de forma imediata nas cadeias de produção da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia. O resultado é um sistema vulnerável, onde decisões políticas afetam diretamente a oferta de insumos críticos.
Reorganização global das cadeias produtivas
Nos últimos anos, montadoras e fornecedores têm buscado formas de mitigar essa exposição. Toyota, BMW, Renault, General Motors e outras marcas revisam contratos e avaliam novas rotas de fornecimento. “A situação é muito tensa”, resume Nadine Rajner, CEO da alemã NMD, que fornece ligas metálicas a fabricantes europeias. O acúmulo de estoques tem sido a reação mais imediata, embora incapaz de compensar a vantagem competitiva da China, que define preços globais e controla licenças de exportação sobre terras raras.
O esforço ocidental inclui acordos de mineração entre Estados Unidos e Austrália, voltados à criação de uma rede de minerais críticos fora da influência chinesa. Analistas, porém, lembram que esses projetos estão em fase inicial e que a reorganização industrial levará anos para produzir efeito tangível.
Inovação tecnológica é saída parcial para controle Chinês sobre as terras raras
Parte da resposta vem da engenharia. Montadoras e fornecedores têm desenvolvido motores elétricos sem terras raras, reduzindo o uso de metais como neodímio e disprósio. BMW e Renault já colocaram em teste versões comerciais, enquanto GM, ZF e BorgWarner trabalham em motores de baixo teor. A britânica Monumo, especializada em simulações com inteligência artificial, afirma ter alcançado redução média de 24% no uso desses metais entre seus clientes.
Apesar do avanço, a produção em escala industrial ainda está distante. O desafio é equilibrar custo, desempenho e segurança de fornecimento, especialmente quando a China pode ajustar preços sob terras raras e inviabilizar concorrentes. “Os chineses sempre podem vender mais barato”, analisa Andy Leyland, da SC Insights.
A geopolítica das terras raras da China
Mais do que uma questão de mercado, o controle chinês das terras raras tornou-se um instrumento de política industrial e diplomática. “Este não é o fim dos controles de exportação”, afirmou Jan Giese, executivo da Tradium, indicando que novas medidas podem atingir compostos usados em baterias e sistemas de energia limpa. O movimento consolida o país como eixo central da economia elétrica, com capacidade de influenciar preços, inovação e acesso a tecnologias emergentes.
Um elo invisível na transição verde
O domínio das terras raras da China evidencia um paradoxo da transição energética: a busca por autonomia tecnológica depende cada vez mais de uma cadeia concentrada em um único país. A indústria automotiva tenta diversificar suas fontes, mas a consolidação de alternativas — via reciclagem ou novos polos de mineração — ainda é incipiente.
Enquanto o Ocidente investe em soluções de médio prazo, Pequim mantém o ritmo e dita as condições do jogo. Já o Brasil, que, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), possui uma das maiores reservas de terras raras do planeta, ainda não se compara à China em produção e exportação do material. O resultado disso é uma disputa silenciosa, mas decisiva, sobre quem controlará o motor da nova economia elétrica.









