A dessalinização de água marinha surge como alternativa estratégica diante da crise hídrica que atinge o Ceará há gerações. Em Fortaleza, a dependência de outras bacias sempre impôs riscos ao abastecimento da Região Metropolitana. Nesse contexto, a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) intensificou a busca por soluções estruturantes.
Planos estratégicos anteriores, como o de Recursos Hídricos do Ceará (2009) e o Fortaleza 2040, já apontavam a necessidade de diversificar a matriz hídrica. Assim, a dessalinização de água marinha passou a ser tratada como eixo central para garantir segurança hídrica a longo prazo.
Recentemente, o Economic New Brasil conversou com o executivo Renan Carvalho, diretor da SPE Águas de Fortaleza, responsável por construir e operar a maior planta de dessalinização de água marinha para consumo humano da América Latina, na Praia do Futuro. O executivo detalhou avanços, obstáculos e controvérsias do projeto.
ENB: Em que etapa está o projeto atualmente?
RC: Concluímos os estudos em 18 meses. Já apresentamos os planos à comunidade em audiência pública e aguardamos as autorizações finais. A expectativa é que a aprovação ocorra na próxima sessão do Conselho Estadual de Meio Ambiente (COEMA), no dia 05 de outubro. Dessa forma, as obras devem começar no início de 2024.
ENB: Por que a localização escolhida foi a Praia do Futuro?
RC: A escolha da Praia do Futuro ocorreu após avaliações técnicas realizadas na fase de PMI, com aval da Cagece. Quando a SPE Águas de Fortaleza assumiu, a dessalinização de água marinha já estava vinculada a esse local, divulgado à imprensa e ao público.
ENB: Houve mudanças no local definido?
RC: Sim. Em setembro do ano anterior, a Anatel levantou preocupações sobre a proximidade entre cabos de telecomunicações e as instalações da dessalinização de água marinha. Para atender à recomendação da Cagece, ajustamos o projeto e estabelecemos distância mínima de 500 metros do último cabo. Portanto, não há riscos de interferência. É importante destacar que, em outros países, plantas de dessalinização operam ainda mais próximas dessas estruturas sem problemas.
ENB: Essa alteração trouxe impactos?
RC: Trouxe, sim. O ajuste provocou atraso de mais de um ano na entrega de água dessalinizada. Isso representou a perda de 31 milhões de m³ de água para a cidade — equivalente a cerca de 3 milhões de carros-pipa. Assim, a população foi a mais prejudicada pela demora na implementação da dessalinização de água marinha.
ENB: Por que a Anatel mudou de posição?
RC: Os argumentos apresentados carecem de base técnica. Muitas falas parecem baseadas em suposições. Além disso, identificamos que existe uma tentativa de resguardar espaço para futuras expansões de telecomunicações na Praia do Futuro. Esses pontos revelam interesses particulares, não critérios técnicos. Antes, a preocupação era com a obra no mar. Depois de resolvida, surgiram questionamentos sobre a obra em terra, o que é incoerente. A Cagece já executa intervenções em áreas continentais há anos, e a Marquise Infraestrutura, parceira do projeto, realizou obras na Avenida Dioguinho sem comprometer cabos ou redes. A alegação de que as bombas causariam vibrações prejudiciais também não faz sentido. Esses equipamentos seguem padrões rigorosos e, em projetos globais de dessalinização de água marinha, não representam risco às infraestruturas existentes.
Conclusão
O projeto da Praia do Futuro adota tecnologia de ponta e envolve empresas com expertise internacional. A dessalinização de água marinha tornou-se pilar do planejamento hídrico de Fortaleza. Contudo, o debate precisa permanecer técnico, sem distorções ou disputas de interesse. Se bem conduzido, este será um marco de sustentabilidade para garantir abastecimento a longo prazo e reduzir a vulnerabilidade hídrica da capital cearense.









