Em um cenário onde os direitos de propriedade são frequentemente debatidos, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) traz à luz um caso que pode estabelecer um precedente jurídico significativo. A controvérsia girava em torno da penhora e adjudicação de um imóvel, categorizado como bem de família legal, que permaneceu sob uso exclusivo de um dos companheiros após a dissolução da união estável.
A intricada situação judicial começou quando uma mulher moveu uma ação de extinção de condomínio contra seu ex-companheiro, buscando permissão judicial para vender o imóvel que compartilharam e, posteriormente, dividir o produto da venda igualmente. O homem, por outro lado, reconvocou, solicitando reembolso pelos custos que teve com o imóvel e pedindo que a ex-companheira fosse condenada a pagar 50% do valor de mercado do aluguel, já que ela usufruiu exclusivamente do bem após o término da relação.
A Justiça Fala: Decisões e Contrapontos
A sentença inicial acolheu os pedidos feitos na ação principal e na reconvenção. Após a fase de liquidação de sentença, foi constatado que a mulher devia aproximadamente R$ 1 milhão ao ex-companheiro. Dado o não pagamento da obrigação por parte da mulher, surgiu o pedido do credor para adjudicar o imóvel, que foi concedido pelo juiz, que também ordenou a emissão de mandado de imissão na posse.
Mesmo diante de resistência e recurso por parte da mulher, que alegou que o imóvel era um bem de família legal e, como tal, estava protegido contra penhora pela Lei 8.009/1990, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) manteve a decisão original.
Precedente Jurídico: Um Novo Capítulo nas Decisões sobre Bens de Família
A ministra relatora do recurso, Nancy Andrighi, observou que, de acordo com um precedente do STJ no REsp 1.888.863, a penhora de um imóvel em regime de copropriedade é permitida quando é usado exclusivamente para moradia da família de um dos coproprietários e este foi condenado a pagar aluguéis ao coproprietário que não usufrui do bem. O aluguel por uso exclusivo do imóvel é visto como uma obrigação propter rem, e, assim, se encaixa na exceção à impenhorabilidade do bem de família, conforme previsto no artigo 3º, inciso IV, da Lei 8.009/1990.
As implicações dessa decisão podem se estender a futuros casos, onde a dissolução de uma união estável e a subsequente utilização exclusiva de um bem comum são questões em jogo. O veredito do STJ reforça a perspectiva de que uma prévia relação convivencial entre as partes não é um fator suficientemente relevante para determinar a admissibilidade, ou não, da penhora e adjudicação do imóvel em que residiam, em favor de um dos ex-conviventes.
Concluindo, a ministra Nancy Andrighi enfatizou que não seria razoável determinar a venda de um patrimônio que, até então, era protegido como bem de família e, posteriormente, estender ao dinheiro arrecadado a proteção da impenhorabilidade que recaía especificamente sobre o imóvel, pois essa hipótese não está contemplada na Lei 8.009/1990. O recurso especial foi negado, selando um marco na abordagem judicial a respeito da penhora e adjudicação de bens familiares em contextos similares.